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Artigo: Justiça tributária e redução das desigualdades

Por Jacy Afonso

O governo brasileiro, em virtude da insuficiência de recursos para continuar um projeto de nação que objetiva o avanço no financiamento e na consolidação de um estado de bem estar justo e universal, deu início à implementação de uma série de medidas e nos oportuniza, com isso, abrir o debate sobre a justeza e a adequação dessas ações e sobre a carga tributária e sua estruturação.

No Brasil, praticamente todos os dias ouvimos reclamações sobre impostos. Infelizmente, a maioria das pessoas repete aquilo que os grandes meios de comunicação nos enfiam goela abaixo: o país possui uma das maiores cargas de tributos do mundo. Falácia! A grande verdade é que quem mais reclama é quem paga menos. Ou seja, a parcela mais pobre da população paga mais imposto que os ricos.

A PricewaterhouseCoopers (PWC) realizou, com exclusividade para a BBC Brasil, um levantamento que comprova a real incidência de impostos em nosso país. O imposto de renda cobrado da classe média alta e dos ricos no Brasil é menor que o praticado na grande maioria dos países do G20. O estudo aponta que nas duas maiores faixas de renda analisadas, o Brasil é o terceiro país de menor alíquota.

As medidas governamentais para ajustar a economia e as contas públicas incluem o aumento dos tributos e o fim de algumas isenções. Não há como ignorar o fato de que a qualidade de vida e o sentimento de bem estar estão relacionados à carga tributária. Mas é notório que as providências tomadas vão na direção de tributar o consumo e o crédito para pessoas físicas, prejudicando os mais pobres e piorando a regressividade do sistema. A CUT e os militantes comprometidos com o combate das desigualdades apontam que as medidas não podem ir nessa direção. O que deveria ser tributado, e de forma progressiva, é a renda e o patrimônio. Por isso o debate precisa ser encarado, com a coragem que exige.

Nesse momento acontece o Fórum Econômico Mundial. Composto pelos países que determinam a economia, o Fórum de Davos reconhece aquilo que já sabemos: 1% da população detém 50% da riqueza mundial. E é exatamente esse 1% que deve ser chamado a contribuir. A taxação a ser feita é dos rendimentos e do patrimônio, e não dos salários. Isso significa que a contribuição mais substanciosa deve ser feita exatamente por aqueles que se beneficiam das riquezas e não o contrário. Os salários não podem sofrer taxação desproporcional, pois esta prejudica exatamente os produtores das riquezas: os trabalhadores.

O economista Thomas Piketty diz que é preciso tributar a renda e equilibrar a relação capital-trabalho para viabilizar uma sociedade mais justa, igualitária e desenvolvida. No Brasil, a questão tributária anda na contramão desse ensinamento. Aqueles que fazem parte do 1% que tem nas mãos os 50% das riquezas vivem em função dos ganhos de aplicações de ações, especialmente os donos dos grandes bancos e das grandes empresas. E pasmem: Esses, que ganham milhões em transações financeiras de alto vulto não pagam um centavo sequer de imposto sobre esses rendimentos. Isso é inadmissível porque completamente injusto.

Outro dado é que a carga tributária brasileira estabelece um grande volume de impostos indiretos, aqueles que incidem sobre produção e comercialização e que no fim das contas são repassados ao consumidor. Por exemplo, uma pessoa que ganha R$ 1 milhão ao comprar um quilo de arroz paga o mesmo valor de imposto sobre esse alimento do que aquele que ganha um salário mínimo. Isso significa que percentualmente o trabalhador paga mais imposto do que aquele que vive de renda.

Como, então, adequar o sistema tributário, mirando no rendimento do andar de cima e promovendo uma aliança entre as classes médias e os mais pobres, e com vistas a criar condições para que o aumento de receita se reverta na melhoria e na ampliação dos serviços públicos?

Sugerimos aqui algumas medidas:

1. Taxação das altas rendas

O capital deve ser taxado e não o trabalho. Para tanto, é preciso tratar dos rendimentos, que devem ter uma alíquota maior, e da isenção das faixas salariais menores. Já tivemos uma alíquota de 35% no imposto de renda. É tempo de retomar esse percentual de taxação para aqueles que ganham acima de 20 salários mínimos. Hoje, os valores iniciais, até R$ 1.787,77, são isentos. Depois são organizadas faixas progressivas. A segunda delas, de R$ 1.787,77 até R$ 2.679,29, paga uma alíquota de 7,5%. Existem ainda mais três faixas sendo que a última é destinada a todos que recebem salário acima de R$ 4.463,81. Estes pagam 27,5%.

Nossa proposta é de isentar os trabalhadores que recebem R$ 2.679,29. As demais faixas continuam com percentuais progressivos. Porém, a última delas precisa apontar para aqueles que possuem uma renda acima de 20 salários mínimos, onde seriam aplicados 35% de alíquota. E aqui seriam criadas outras faixas, escalonadas de taxação.

Esses valores equivalentes ao percentual dos 35% poderiam ser carimbados e direcionados para programas sociais. Com essa medida,não seria necessário reduzir direitos como quer o ministro Joaquim Levy, que sob o argumento de inovar, quer excluir 10 milhões de trabalhadores de receber o abono salarial, reduzir o valor anual de 14 milhões e impedir 2,3 milhões de desempregados de receber o seguro desemprego.

2. Correção da tabela do Imposto de Renda

Foi um equívoco a não implementação da correção da tabela do Imposto de Renda em 6,5%, conforme aprovada pelo Congresso Nacional. Em Brasília, por exemplo, na semana que passou, várias categorias estavam em greve para conquistar aumento real de salário. A luta é intensa e dura para se conquistar um aumento real de 2%. Porém, a tabela do Imposto de Renda estabelece uma correção de 4,5%, pelo centro da meta da inflação. Isso significa que os dois pontos percentuais de ganho real conquistado pelos trabalhadores será confiscado pelo Leão. Isso demonstra mais uma vez que quem paga são aqueles que produzem e aponta para a imprescindibilidade da atualização da tabela do Imposto de Renda.

3. Taxação dos dividendos de ações

Além de atualizar a tabela do imposto de renda, é preciso taxar os dividendos de ações no mercado de capitais. O comparativo é desproporcional. Um trabalhador que ganha R$ 2.000,00 por mês para uma alíquota de 7,5% de imposto de renda. O rentista de ações que ganha R$ 2.000.000,00 de dividendos, não paga um centavo sequer de imposto de renda. Isso significa que aquela pessoa que saiu de casa para ir ao trabalho todos os dias paga imposto. A outra que ficou em casa e apenas aplicou na bolsa, tem rendimentos, recebe o mesmo valor no final do mês do que aquele que suou 30 dias e não paga imposto. Portanto, para equilibrar a contribuição tributária, também é necessário que este rendimento seja enquadrado e taxado no mesmo modelo da remuneração dos salários.

4. Taxação das grandes fortunas das grandes heranças

Os países que costumamos apontar como exemplos de desenvolvimento, de lugar ideal para viver, como Estados Unidos, França, Itália, Holanda, taxam as grandes fortunas e as grandes heranças. Não estamos falando da casa adquirida com esforço ou da chácara que os pais deixam aos filhos. Esse argumento mentiroso é usado exatamente pelos donos dessas grandes fortunas e de heranças imensuráveis com o intuito de nos levar ao engano e nos colocar contrários a atitudes que trariam benefícios à sociedade como um todo e ao conjunto dos brasileiros e não apenas a alguns.

Um exemplo interessante dessa disparidade e que fica escondido: Todos pagamos IPVA, inclusive dos carros ditos populares. Porém, veículos aéreos e aquáticos não pagam qualquer imposto. E quem possui esses bens? Certamente não são os produtores da riqueza e sim os detentores desta. O Sindicato Nacional dos Auditores da Receita Federal – Sindifisco, com a intenção de corrigir essa distorção, apresentou uma Proposta de Emenda à Constituição, afirmando em sua justificativa que não procede o entendimento de veículo automotor, para fins do pagamento do IPVA, como sendo somente os de transporte terrestre. Jatinhos, helicópteros, iates e barcos de luxo também são veículos automotores.

5. Contribuição Provisória sobre a Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira

Assunto polêmico, a CPMF precisa ser trazida ao debate. Com sua retirada pelo Congresso Nacional, deixaram de ser recolhidos 35 bilhões da saúde pública. Assim como fizeram uma verdadeira lavagem cerebral na cabeça da maioria dos brasileiros, os grandes meios de comunicação insistem diariamente na tecla das condições da saúde no Brasil. O Congresso Nacional possui, em sua maioria, representantes do grande capital, dos detentores da riqueza, daqueles que querem ganhar ainda mais e mais dinheiro, mesmo que às custas do sangue da população. Injetar em nosso pensamento que os serviços públicos são inúteis, não atendem à população e podem ser descartados, é parte do fortalecimento dos serviços privados. Inclusive, por isso não aceitam uma equalização mais equilibrada dos impostos. Ganham duas vezes: ao pagar pouco e ao lucrar com serviços que devem ser públicos e de qualidade.

Os impostos devem ser adequados aos lucros, às fortunas. A CPMF no momento de sua extinção significava 0,38% das movimentações financeiras. Então uma pessoa que ganhava R$ 1.000,00 pagava o equivalente a R$ 3,80 mensais. Comparemos esse valor com as mensalidades dos planos de saúde que nos induzem a fazer. Quem efetivamente pagava uma CPMF significativa eram aqueles que realizavam grandes transações bancárias. Esse tributo, inclusive, era também fator de combate à lavagem de dinheiro porque todas as movimentações eram registradas, fiscalizadas. E mais: Imaginemos esses R$ 35 bilhões aplicados no Programa Mais Médicos!

Taxar o capital e não o trabalho exige um debate ideológico e aponta reflexões sobre o combate às desigualdades. O tamanho e a estruturação da carga tributária é uma escolha de toda a sociedade. Portanto, não podemos nos eximir da responsabilidade e deixar que seja feita pelos donos da riqueza. É preciso estabelecer justiça tributária e garantir um diálogo social, um acordo em torno de um estado financeiramente forte para que todos, indistintamente desfrutem de boa qualidade de vida e do bem estar necessário ao pleno desenvolvimento de suas liberdades e potencialidades. A estrutura tributária é a pedra fundamental para efetivar essa ação e garantir serviços públicos universais e benefícios que diminuam o fosso social.

*Jacy Afonso é secretário de Organização da CUT Nacional, conselheiro no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República (CDES), bancário, petista, sindicalista, ex-presidente do Sindicato dos Bancários de Brasília, ex-administrador de Santa Maria e ex-chefe de gabinete do ex-deputado constituinte Luiz Gushiken.