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Artigo: Segurança alimentar e desenvolvimento sustentável

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Por Jacy Afonso

Historicamente as elites brasileiras investiram em um desenvolvimento agrícola e agrário concentrado nas grandes propriedades. Esse modelo ganhou maior operacionalidade durante o regime militar, que concedeu amplos subsídios para transformar o latifúndio obsoleto em empresas rurais com o intuito de ampliar as exportações e financiar o processo de industrialização do país. Esse formato desenvolvimentista concentrou ainda mais as propriedades rurais e expulsou incontáveis famílias de suas pequenas propriedades. Sem falar da ampliação incomensurável do uso de agrotóxicos.

O resgate da cidadania, esfarelada por processos econômicos, sociais e políticos injustos no meio rural, aponta a necessidade de um conjunto de iniciativas para fortalecer o desenvolvimento rural. O direito sagrado à alimentação não é garantido pela produção de grãos exportáveis. A implementação de políticas públicas que assegurem produtos agrícolas estratégicos para suprir as necessidades alimentares da população foi o que garantiu a exclusão do Brasil do mapa mundial da fome.

A agricultura familiar é responsável por 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros. Envolve a produção agrícola, florestal, pesqueira, pecuária, gestionadas pela família. Responde por 74% da mão de obra no campo; essa forma de produção promove do desenvolvimento local com sustentabilidade econômica e social e preserva a cultura, as tradições e os costumes.

A força dos pequenos produtores organizados a partir de suas famílias recebeu reconhecimento com a instituição, em 2014, do Ano Internacional da Agricultura Familiar com o objetivo de dar visibilidade ao seu importante papel na erradicação da fome e da pobreza e na segurança alimentar. O estímulo à melhoria dos meios de vida, da gestão dos recursos naturais, da proteção ao meio ambiente se configura em linha mestra para um desenvolvimento sustentável nas zonas rurais.

Também como parte do reconhecimento do valor de trabalhadoras e trabalhadores familiares, em 25 de julho passou a ser comemorado o Dia Internacional da Agricultura Familiar, por sua relevância social e econômica. E não podemos deixar de destacar que na mesma data se comemora no Brasil o Dia do Colono e do Motorista, categorias de trabalhadores e trabalhadoras também indispensáveis para que os alimentos cheguem às mesas dos brasileiros.

No Brasil, o fortalecimento de políticas públicas de estímulo e valorização da produção familiar teve impulso fundamental com a instituição do Programa Fome Zero no Governo Lula, que aportou valor à agricultura familiar e trouxe novos investimentos. O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar – Pronaf, recebeu subsídios significativos nos últimos 12 anos. Em 2015, o volume de crédito ofertado gira em torno de R$ 25 bilhões.

Outra contribuição para estimular a agricultura familiar foi a definição de que 30% da merenda escolar seja comprada diretamente desses agricultores. Os produtos agroecológicos ganharam o indicativo de ter especial distinção na alimentação das crianças das escolas públicas. Porém, ainda há uma séria necessidade de combater a privatização e a terceirização da merenda, o que exclui os pequenos produtores no processo de aquisição de alimentos.

Para impulsionar as atividades da agricultura familiar o Fórum Brasileiro de Economia Solidária – FBES, organizado em todo o país, atua significativamente com vistas a potencializar arranjos produtivos e organizativos da agricultura familiar. Estimulando ações de fomento à agroecologia, a economia solidária compreende uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas – cooperativas, associações, redes de cooperação -, que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Daniela Rueda, secretária-executiva do FBES afirma que “cerca de 60% dos empreendimentos economicamente solidários estão no meio rural, vinculados a atividades como agricultura, pesca e artesanato”.

Para o Movimento Sindical dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais, o MSTTR, (Contag, Fetraf e MPA), a agricultura familiar é a melhor forma de promover a inclusão e o desenvolvimento com sustentabilidade do campo, garantindo produção de alimentos com qualidade e em quantidade para atendimento à demanda da população. Para isso, é crucial aumentar a produtividade, diversificar os meios de subsistência e estimular práticas sustentáveis, considerando que a agricultura familiar é instrumento vital de promoção da segurança alimentar e nutricional da população brasileira.

No cenário atual as mulheres estão assumindo um papel muito significativo no processo produtivo da agricultura familiar. No plantio, na colheita, no beneficiamento, nas feiras agroecológicas, em associações, lá estão elas se organizando, ampliando a consciência de sua cidadania e exigindo direitos e reconhecimento, não apenas no âmbito familiar, mas também nas esferas política e profissional. Apesar de o protagonismo das mulheres na agricultura e na soberania alimentar estar espalhado por toda área rural do país, ainda são muitas que não possuem autonomia sobre o uso da terra, têm acesso limitado ao crédito e à assessoria técnica específica; esses fatores são indispensáveis para dinamizar a produção familiar, a geração de renda e propiciar que as trabalhadoras rurais desempenhem com dignidade seu importante papel na preservação da agrobiodiversidade, de especial relevância para a agricultura e para a alimentação.

Dentre outras, essas são também motivações que trazem a Brasília, nos dias 12 e 13 de agosto, milhares de Mulheres Margaridas. Com seus chapéus coloridos e a determinação de sempre, ocuparão as avenidas, “em marcha por desenvolvimento sustentável com democracia, justiça, autonomia, igualdade e liberdade”. Afirmando-se como sujeitos políticos de direitos, para garantir reformas capazes de proporcionar mudanças em estruturas históricas que ainda sustentam as desigualdades e a discriminação no Brasil, as mulheres do campo, das florestas e das águas ocupam espaços urbanos na defesa da soberania alimentar e nutricional e na construção de uma sociedade sem preconceitos de gênero, de cor, de raça e de etnia, sem homofobia e sem intolerância religiosa. Apontam que os desafios são muitos e são de todas e todos. Para não abandonar o meio rural, as famílias precisam ter condições de vida digna, renda suficiente para atender suas necessidades, infraestrutura produtiva para o beneficiamento, armazenamento transporte de produtos, preços adequados; e políticas públicas, como educação, saúde, previdência, transporte público. A articulação associativa e cooperativa para viabilizar formas de garantir renda com sustentabilidade ambiental, estimulando todas as potencialidades da família também é imprescindíveis para “forjar no trigo o milagre do pão”.