Em 16 de abril, ao sair da 42ª Reunião do Conselho de Desenvolvimento e Social do governo Federal, Nilson Rodrigues, coordenador da II Bienal do Livro e da Leitura, ocorrida em Brasília de 11 a 21 de abril de 2014, convidou-me para ir ao lançamento do livro do presidente de Gana, o historiador e escritor John Dramani Mahama: Meu Primeiro Golpe de Estado. O texto narra suas memórias no período chamado de “décadas perdidas”. Dramani cresceu no período em que os países africanos lutavam por independência e vivenciaram inúmeros golpes de Estado. Ele tinha sete anos quando presenciou o primeiro de muitos golpes e sentiu as consequências dessas ações violentas na cultura, na educação e na política de seu povo.
Ao percorrer o gramado entre o Palácio do Planalto e a Biblioteca Nacional onde acontecia a Bienal, me veio à lembrança acontecimentos históricos de abril. E, posteriormente, as memórias do presidente de Gana remexeram com as minhas.
Os anos de chumbo da ditadura militar brasileira, além das imposições e da falta de liberdade, tiraram-nos o direito ao voto. 1984 seria o último ano do governo do general Figueiredo, sendo necessária a escolha, via colégio eleitoral, de seu substituto. O vislumbre de aspectos que apontavam o fim dos militares no poder, juntamente com o voto direto para a escolha dos governadores dos estados, despertou o sonho maior da liberdade política: o voto direto para presidente. E se deu início ao movimento Diretas-Já, que culminou com a votação, em 25 de abril de 1984, da Emenda Dante de Oliveira. Este projeto possibilitava a concretização das esperanças e certezas construídas em um movimento deflagrado em todo o país com participação maciça da população. As ruas das cidades brasileiras se tornaram palcos para comícios, festas, manifestações e todas as formas de expressão do desejo de democracia plena e voto direto.
Para reprimir essas manifestações, João Figueiredo aumentou a censura sobre a imprensa e ordenou prisões, ocorrendo muita violência policial. Às vésperas da votação, o Distrito Federal e alguns municípios do entorno foram submetidos a Medidas de Emergência. Foram colocados nas ruas grandes tanques de guerra. Tropas do Exército ficaram posicionadas em toda a Esplanada dos Ministérios e em frente ao Congresso Nacional. No final da tarde daquele dia 25, houve um blecaute de energia em parte das regiões sul e sudeste do País. As comunicações entre Brasília e o resto do país foram cortadas. Nenhum veículo de comunicação divulgava qualquer informação sobre a votação e as manifestações daquele dia.
Havíamos conseguido chegar bem próximos de entrar no Congresso Nacional. Reunidos na Chapelaria que dá acesso ao Senado, fazíamos uma vigília pela aprovação da Emenda que nos daria direito de escolher o presidente do Brasil. O espaço foi invadido pelos militares e fomos arrastados e expulsos de maneira truculenta, selvagem. Líderes estudantis, partidários e sindicalistas foram presos. Entre essa multidão que os militares e seus canhões tentavam sufocar estava eu. O grupo reprimido violentamente caminhava pelo gramado. Nos dirigíamos exatamente para esse espaço onde estava foi Bienal, que, três décadas depois, trouxe a Brasília muitos representantes da resistência contra a opressão no Brasil e em outros países. Para demonstrar melhor a truculência decadente do regime militar, o general Newton Cruz desfilava naquele dia montado em um cavalo, de rebenque na mão.
Nesse mesmo dia 25 de abril, liderei a primeira manifestação pós 64, paralisando o restaurante da sede do Banco do Brasil. Ao sermos expulsos do gramado em frente ao Congresso Nacional, onde havia grandes caixas de som na tentativa de transmitir a votação a ser realizada, decidi ir ao meu local de trabalho para chamar meus colegas para a luta. Essa atitude também resultou em duras consequências. A direção do banco pediu minha demissão. Arildo Dória, advogado e ex-militante comunista, com mais de meio século dedicado à luta pela democracia no Brasil e no mundo, fez minha defesa escrita. Após intensas negociações entre meu então chefe, Laudo Cardoso (me defendeu), e o vice-presidente do banco, Dinar Gigante (que queria me demitir), aprovou-se uma advertência como punição. Essa anotação na ficha funcional, até hoje não revogada, prejudicou minha carreira no Banco do Brasil.
A Emenda Dante de Oliveira não foi aprovada. No dia seguinte, a nação brasileira estava de luto. As pessoas desfilavam pelas ruas de camisa amarela com uma fita preta no peito. Mas, a semente da livre manifestação e da democracia, plantada e cultivada nesse período, forçou a eleição, mesmo que de modo indireto, de Tancredo Neves. E, finalmente, se encerrou a época dos generais na Presidência da República.
A II Bienal do Livro e da Leitura, a votação da Emenda Dante de Oliveira e a primeira manifestação no Banco do Brasil após o golpe militar ocorreram em um território de 1 km, no eixo central de Brasília. Espaço esse que, além do verde e das memórias, abriga manifestações quase que diárias reflexas da redemocratização de nosso país.
Além desses acontecimentos históricos para a conquista e a consolidação da democracia no Brasil, lembramos aqui a Revolução dos Cravos em Portugal – assim chamada em virtude da distribuição de cravos vermelhos aos soldados que oprimiam a população que pedia democracia. Foi um movimento social que ocorreu em 25 de abril de 1974, há 40 anos, e depôs o regime ditatorial salazarista português e iniciou o processo de implantação de um regime democrático naquele país. Essa revolução contribuiu sobremaneira para o processo de encerramento da dominação colonialista portuguesa em muitos países africanos.
Abril parece ter o poder de confluir acontecimentos históricos relevantes para construir democracias. Tom Jobim, com sua inteligência e sensibilidade de poeta previa em 1972 que “É pau, é pedra, é o fim do caminho. São as águas de março fechando o Verão; é a promessa de vida no teu coração”. E que venham muitos outros meses de abril anunciados pelas águas de março, precedendo as celebrações do Dia do Trabalhador, e com promessas e perspectivas de vida digna para todos em nossos corações.