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Bancária acusada de subversão passa a limpo memórias dos “anos de chumbo”

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POR MANOEL FAÇANHA/SEEB-AC

No final da década de 1960, o Brasil, que vivia entre a Jovem Guarda e o Tropicalismo, entrava no mais sombrio capítulo da sua história, que ficou conhecido como “os anos de chumbo”. Neste período, um episódio ocorrido em Brasiléia (AC), fronteira com a Bolívia, chamaria atenção da sociedade acreana. Uma estudante, revoltada com a postura de um educador, seria acusada de subversão ao regime implantado no país, tirada de dentro da sala de aula por um comissário de polícia e levada para depor em juízo.

luiza maria e maria antônia

O fato ocorreu numa tarde de 26 de setembro, quando a aluna da 3ª série Luiza Maria Almeida da Silva, de 23 anos, lotada na Escola Normal Regional de Brasileia, teria se revoltado diante de uma determinação do diretor da instituição de ensino quando esse resolveu cancelar a matrícula do estudante Alberto Brilhante de Oliveira, também da 3ª série. Insatisfeito com o protesto de Luiza, o diretor da escola, Jaci Pinto Cordeiro, dirigiu ofício ao meritíssimo juiz de Direito da comarca local, solicitando sua interferência para o cumprimento de suas atribuições.

Na mesma tarde, Luíza foi chamada à diretoria, onde foi comunicada que estava suspensa das aulas por 10 dias. Apoiada pelos demais colegas de sala de aula, a estudante negou-se a deixar o colégio, pois não via justificativa para a punição. Minutos depois, Luiza, ainda fardada, foi retirada a força de sua carteira de aula por um comissário de polícia. O fato causou grande comoção entre os colegas de turma, assim como temor dos pais, nos dias sequentes, em mandar seus filhos à escola.

Na época, conforme edição do jornal O Rio Branco, de 29 de setembro de 1969, Luíza teria sido acusada de subversão pela professora Josefa Figueiredo, dando motivos para o Meritíssimo Juiz de Direito, além de escutá-la, autorizar vasculhar a sua residência à procura de qualquer documento que lhe comprometesse, o que não ocorreu.

Passados mais de quatro décadas e, após buscar a Justiça, Luiza conquistou uma grande vitória ao comprovar a própria inocência, em sentença proferida pela Comissão de Anistia, na 25ª Sessão de Turma, dia 04 de julho de 2013. Nos autos do processo consta a declaração de que Luiza Maria Almeida da Silva foi considerada anistiada política e com direito a receber reparação econômica, de caráter indenizatório, em prestação única, no valor correspondente a 30 (trinta) salários mínimos, equivalente nesta data a R$ 20.340,00, nos termos do artigo 1º, incisos I e II, c/c artigo 4º, § 1º, da Lei n.º 10.559, de 13 de novembro de 2002. O pagamento indenizatório foi efetuado no mês de fevereiro 2014.

Em julho deste ano, Luiza Maria, mãe de Luís Marcelo e avó de dois netos, resolveu abrir as portas da sua residência e conceder entrevista exclusiva à reportagem da Revista Acre Bancário, edição histórica, onde falou do traumático episódio.
Sentada no sofá da sala de sua residência, localizada a pouco mais de 200 metros da agência do Banco da Amazônia, local de seu trabalho, ela fez uma viagem na história e por mais de uma hora discorreu, com detalhes, os momentos de horror passados naquele inesquecível 26 de setembro de 1969. Chorou ao relembrar detalhes da tortura psicológica sofrida diante do interrogatório naquela primavera. Lembrou dos personagens que a acusaram de subversão, do interrogatório e da prisão. Por fim, apesar de reconhecer o reparo jurídico do Estado ao anistiá-la e indenizá-la, explicou que o episódio provocou sequelas profundas na sua vida.

Confira os principais trechos da entrevista.

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REVISTA ACRE BANCÁRIO – Passados quase 45 anos de sua prisão, ocorrida dentro de uma sala de aula e a mando de um educador, o que a senhora ainda pode falar disso?

LUIZA MARIA – Posso diz que foram momentos de horror. Lembro-me que tudo ocorreu após eu sair em defesa de um colega de aula (Alberto Brilhante de Oliveira) que teve sua matrícula cancelada sem motivação.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – Na época da sua prisão, a senhora chegou a ser acusada de subversão ao poder, mas nada foi comprovado. O que mudou na sua vida após aquele 26 de setembro?

LUIZA MARIA – Realmente. A residência da minha família foi vasculhada por inteiro na busca de qualquer documento que viesse a me comprometer, mas nada foi encontrado, exceto livros didáticos e literatura de pensadores socialistas e o meu diário. No entanto, aquilo tudo trouxe graves consequências na minha rotina diária e, até hoje, ainda tenho pesadelos.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – É verdade que a senhora jamais perdoou o então diretor da escola, Jaci Pinto e a professora Josefa Figueiredo?

LUIZA MARIA – Verdade. Nunca consegui perdoá-los. Na minha consciência não consigo imaginar como dois educadores tiveram a coragem de acionar a força policial para retirar um aluno de dentro da sua própria sala de aula.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – A senhora foi presa e depois levada para depor em juízo. Quais foram os questionamentos?

LUIZA MARIA – Como fazia parte do grupo de jovens da igreja católica e realizávamos rifas para angariar recursos para as nossas atividades, eles chegaram durante o meu depoimento a perguntar sobre compra de armas e onde estavam elas. Eu transtornada por tudo aquilo, como resposta, cheguei a cuspir num dos interrogadores e acabei jogada numa cela.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – Alguém foi solidário com a senhora durante o episódio?

LUIZA MARIA – Mesmo com receio de algum tipo de represália que poderia ser imposta pelos militares, algumas pessoas estenderam a mão a minha pessoa. Foi o caso da minha amiga Isaura Cunha, que ajudou de todas as maneiras a minha transferência para Rio Branco. Na capital recebi apoio da Elmaz Mezarane Acácio.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – O trauma ocasionado pelo episódio fez a senhora deixar a cidade de Brasileia e passar a residir em Rio Branco e logo depois em Recife. Fale um pouco disso?

LUIZA MARIA –Verdade. Tive que abandonar amigos e uma rotina de vida para morar em Rio Branco. Mas pouco depois, em 1970, fui selecionada para estudar em Recife (PE), precisamente na Universidade Federal de Pernambuco, onde conclui o curso extensivo de Matemática. Retornei a Rio Branco dois anos depois, onde iniciei minha vida profissional como educadora do Departamento de Estudos Supletivos (DESU). Em 1976 virei funcionária do Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social (IAPAS).

REVISTA ACRE BANCÁRIO – Como a senhora chegou às fileiras do Banco da Amazônia?

LUIZA MARIA – No ano de 1982 fui aprovada no concurso do Banco da Amazônia. Fui lotada nos primeiros anos na agência de Boca do Acre (AM), mas depois fui transferida para Rio Branco e, logo depois, Vilhena (RO), até retornar a minha cidade natal, Brasileia. Neste período aproveitei para fazer duas faculdades. A primeira delas de pedagogia (Ufac – 1982/1986), e a segunda, uma graduação em Serviço Social (Universidade Norte do Paraná – 2006/2010). No entanto, ainda sonho com a graduação no curso de História.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – A senhora, que faz parte da luta sindical bancária há bastante tempo, hoje responde como delegada sindical de Brasiléia. Como a senhora analisa esses anos de luta e o atual momento vivido pelos funcionários do Banco da Amazônia?

LUIZA MARIA – Foram anos de constantes lutas, principalmente nas últimas décadas, com o fantasma da privatização ou anexação do banco a outras instituições financeiras. A respeito do atual momento vivido pelos empregados do Banco da Amazônia vejo uma desvalorização por parte da instituição, onde os salários foram achatados. Outro grande problema enfrentado pelo corpo funcional está em nosso plano de previdência privada, onde hoje, ao aposentar, o funcionário precisa contribuir com boa parte do seu salário.

REVISTA ACRE BANCÁRIO – Como a senhora analisou a sentença da Justiça?

LUIZA MARIA – O dano causado a minha pessoa jamais será reparado, pois como já afirmei, deixou sequelas. No entanto, estou satisfeita, pois o mais importante era provar na justiça que tudo aquilo não passou de um equívoco impensável de algumas pessoas da época.

DEPOIMENTO DO PADRE PACIFICO

A Luiza era uma jovem estudante de grupo de jovens da paróquia de Nossa Senhora das Dores, de Brasiléia. Sofreu muito por ter sido presa fardada dentro de uma sala do Instituto Odilon Pratagi, onde estudava, e levada para uma Delegacia, onde foi mantida incomunicável. Brasiléia era aquela cidadezinha tradicional e pacata, mas como era fronteiriça, considerada pelo regime área de Segurança Nacional. Olha a repercussão de um fato dessa natureza naqueles tempos no ano de 1969! E olha a dificuldade de uma pessoa jovem para arrumar emprego depois que o regime levanta todo tipo de suspeita sobre uma pessoa indefesa e sem qualquer acusação objetiva contra a mesma. Eu, como sacerdote responsável pelo grupo de jovens, sabia que nada de concreto existia contra a mesma, mas no anonimato quem acusava se escondia e assim se destruíam psicologicamente as pessoas, algumas delas carregando sequelas pelo resto da vida.