Carlos Cordeiro
Nunca foram tão claras as imbricações entre a Campanha Nacional dos Bancários, a atuação dos bancos e as eleições de outubro. Como se diz na gíria, tá tudo junto e misturado. E em todas essas interfaces aparece nítida a mesma disputa entre os patrões e os trabalhadores do sistema financeiro: mais emprego, melhores salários e distribuição de renda.
Na mesa de negociação da Fenaban, esse é o confronto direto. Se apesar dos avanços na última década o Brasil continua sendo um dos 12 países mais desiguais do planeta, a concentração de renda no sistema financeiro é ainda maior.
Enquanto no Brasil os 10% mais ricos, segundo estudo do Dieese com base no Censo de 2010, têm renda média mensal 39 vezes maior que a dos 10% mais pobres, no Itaú cada membro do Conselho de Administração recebeu em média 318,5 vezes (R$ 15, 5 milhões) o que ganhou o caixa. No Santander, a relação foi de 158,2 vezes e no Bradesco 270 vezes.
Nessas condições, para ganhar a remuneração mensal de um desses executivos, o caixa do Itaú tem que trabalhar 26,5 anos, o caixa do Santander 13 anos e o do Bradesco 22,5 anos.
Para reduzir esse abismo, são fundamentais para os bancários, além do aumento real do salário, valorizar o piso salarial, criar novos postos de trabalho e acabar com a rotatividade, com as metas abusivas, com o assédio moral e com as terceirizações – mecanismos perversos que os bancos incorporaram na gestão para ampliar os lucros e reduzir salários, alimentando dessa forma o círculo vicioso da concentração da riqueza.
Esse mesmo confronto entre capital e trabalho acontece na eleição presidencial de outubro, agora em escala muito maior, envolvendo toda a sociedade brasileira e conceitos políticos, econômicos e ideológicos aparentemente mais complexos. Muitas vezes esse conflito de classes fica abaixo da superfície em eleições nacionais, escamoteado por programas de governo ambíguos ou não explicitados.
Mas ele nunca foi tão nítido como na atual disputa eleitoral. Por exemplo, Marina Silva, que recebeu o apoio público do presidente do Itaú Roberto Setubal e tem a acionista do banco Maria Alice Setubal como uma das coordenadoras de sua campanha, explicita em seu programa bandeiras neoliberais históricas dos bancos privados, como a independência do Banco Central, elevação do superávit primário, redução dos gastos públicos, enxugamento do papel das instituições financeiras públicas, fim do crédito direcionado e legalização da terceirização de forma ampla e irrestrita.
Outro candidato pró-mercado, Aécio Neves, anunciou em encontros reservados com empresários que adotará “medidas impopulares”, caso se eleja, e nomeará ministro da Fazenda o banqueiro Armínio Fraga, que por sua vez defendeu em entrevistas à imprensa aumento do desemprego e redução dos salários, para combater a inflação.
Essas medidas, se implementadas, trariam imensas perdas para os bancários e para os trabalhadores. E representariam um sério retrocesso na atual política econômica, que, apesar de equívocos que sempre combatemos, aponta para a inclusão social e a distribuição de renda, permitindo por exemplo que os trabalhadores conquistassem com mobilização aumentos reais de salário e mais de 40 milhões de brasileiros saíssem da miséria.
A independência do Banco Central, como prega Marina Silva, seria entregar a condução da política macroeconômica aos bancos privados, que se tornariam assim o quarto poder e governariam de fato o país, com o mínimo de emprego e o máximo de juros, roubando a atribuição constitucional dos governos democraticamente eleitos pela população.
O enfraquecimento dos bancos públicos significaria a perda de um poderoso instrumento de fomento de políticas públicas. Foi com a contribuição decisiva das instituições financeiras públicas que o Brasil passou longe da crise de 2008. Enquanto os bancos privados fecharam as torneiras e encareceram o crédito, BB, Caixa, BNDES, BNB e Banco da Amazônia ampliaram a oferta de crédito, mantendo o mercado de consumo aquecido e gerando empregos.
A redução do papel dos bancos públicos, combinada com o fim do crédito direcionado, significaria a extinção dos financiamentos a juros mais baixos da agricultura familiar, dos programas de moradia como Minha Casa Minha Vida, do microcrédito e das obras necessárias de infra-estrutura de portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, geração de energia etc..
E legalizar as terceirizações, além de impor pesadas perdas de direitos econômicos e sociais aos trabalhadores, colocaria em risco de extinção categorias inteiras, como a dos bancários. Com a possibilidade de terceirização das atividades-fim, nada impediria que os bancos contratassem empresas, por exemplo, fornecedoras de caixas e gerentes.
Não foi à toa que os bancos coordenaram a ofensiva patronal no Congresso Nacional, em 2013, pela aprovação do PL 4330 da terceirização, bloqueada provisoriamente graças à mobilização dos trabalhadores, principalmente dos bancários. A proposta está agora no programa de governo de Marina Silva.
Por tudo isso, nessa reta final da campanha eleitoral e no momento em que a categoria bancária se prepara para iniciar mais uma greve nacional, é imprescindível fazermos esse debate com os bancários e com a população sobre os riscos que os trabalhadores e o país correm se essas propostas defendidas pelos bancos forem implementadas.
Tanto na campanha da categoria como na eleição presidencial, essas propostas dos bancos apontam para o oposto do que defendemos. Eles querem crescimento econômico com concentração de renda, aumento do superávit primário e redução das políticas públicas, aumento do desemprego e independência do Banco Central. Nós queremos desenvolvimento econômico com distribuição de renda, o que implica fortalecimento do emprego e dos salários, bem como ampliação das políticas públicas com participação direta do Estado, especialmente dos bancos públicos.
Queremos não apenas fazer uma campanha nacional dos bancários vitoriosa, com aumento real de salário, valorização dos pisos, mais empregos, combate ao assédio moral e às metas abusivas, mais segurança e igualdade de oportunidades. Queremos também ser vitoriosos elegendo candidatos que defendam os interesses dos trabalhadores e não os dos banqueiros.
Carlos Cordeiro, presidente da Contraf-CUT